Pois paz sem voz, não é paz é medo…

Por ironia (do destino) ou não, estou neste exato momento finalizando um monografia para o mestrado (que tá nos acréscimos, já) sobre Considerações entre o conservadorismo e neoconservadorismo na fé evangélica brasileira e o pensamento de Dorothee Sölle.

Não preciso dizer que discordamos de muita coisa, mas isso ocorre até com a minha teóloga favorita e com a Santa Mônica de minha vida. Ora, é tão bom não ter medo de ler diversos autores.

Dorothee Sölle (1929-2013), foi uma teóloga e escritora alemã, ativista política e feminista, além de estar entre as lideranças europeias que acolheram a Teologia da Libertação, na qual participou de uma geração de teólogos e teólogas que reinterpretaram a mensagem cristã no contexto do socialismo e do pacifismo. Ela estudou teologia, filosofia e literatura na Universidade de Colônia, doutorando-se com uma tese sobre as conexões entre teologia e poesia. Debateu temas políticos, tais como a Guerra do Vietnam, a corrida armamentista e injustiças no desenvolvimento mundial.

Dorothee teria boas palavras a dizer ao atual presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, que desde o início de sua campanha eleitoral fala sobre o porte de armas. O governo de Jair Bolsonaro promete ainda para janeiro de 2019, um decreto presidencial para flexibilizar a posse de arma aos cidadãos comuns.

Armar a sociedade civil, é uma forma de promover melhorias na segurança do país (?!) De acordo com o Fórum de Segurança Pública, em seu 12º Anuário, o Brasil registra uma taxa anual superior a 30 homicídios a cada 100 mil habitantes, a grande maioria por armas de fogo, sendo o índice um dos maiores do mundo.

E, então, vem Dorothee Sölle (1984, p. 51), e diz:

Dirijo-me a vocês na qualidade de mulher originária de um dos países mais ricos do mundo, porém um país cuja história sangrenta cheira a gás, um cheiro que ainda alguns de nós, alemães, não pudemos esquecer; um país que hoje em dia dispõe da maior concentração mundial de armamentos nucleares. Gostaria de transmitir para vocês algo sobre os temores e angústias que se colocam neste país opulento e militarista que é o meu. Dirijo-me a vocês movida pela raiva, o espírito crítico e a tristeza. Esta dor que me causa meu país, esta irritação frente à sociedade em que vivo não são arbitrárias nem significam que não tenha outra coisa para pensar; procedem da crença na vida do mundo, que chegou para mim pelo homem pobre de Nazaré, o qual não possuía nem riquezas nem armas. Esse homem pobre coloca a vida do mundo ante nosso olhar e nos mostra o fundamento da vida, ou seja Deus. Cristo é a exegese de Deus, a interpretação que nos faz compreender quem é Deus (Jo 1. 18).

É inegável que o avanço da extrema-direita no Brasil suscita uma ação política que destaca valores e ideários no campo do nacionalismo e militarismo. Aponta ainda para uma tendência totalitarista, na qual suas lideranças regulam aquilo que é público e privado, mas sob uma ótica que pode trazer grandes consequências a população (pobre?!) e à própria democracia.

Koyzis, sobre o nacionalismo, apresenta um apontamento de grande contribuição para problematizar a fusão entre cristianismo e nacionalismo:

Notamos, mais uma vez, que até os cristãos tendem a cair na armadilha da sedução das ideologias, apesar do seu suposto compromisso exclusivo com os ditames do evangelho. Não surpreende, portanto, que muitos crentes tenham deliberadamente adotado o nacionalismo. Além disso, alguns acabaram ligando a sua fé ao nacionalismo a tal ponto que as duas coisas passaram a ser uma só na sua mente. Há certa ironia no fato de muitos cristãos, perfeitamente capazes de identificar os problemas do liberalismo e do socialismo, estarem entre os primeiros a apoiar o movimento “por Deus e pela pátria” (KOYZIS, 2014, p. 143).

Alguns sinais podem ser encontrados entre o pensamento de Sölle e os valores nacionalistas do cenário contemporâneo (inclusive, na trajetória brasileira), tais como o exagero aos símbolos nacionais e a interpretação do fenômeno (ou Mito), onde o candidato político ser comparado como uma revelação, um plano de Deus para a nação. São pontos que devemos ficar de olho…
Mas vou ali, preciso continuar a nadar (escrever), pra esse mestrado não naufragar…

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Referências:

KOYZIS, David T. Visões e Ilusões Políticas: uma análise e crítica cristã das ideologias contemporâneas. Tradução de Lucas G. Freire. São Paulo, Vida Nova, 2014.

SÖLLE, Dorothee. Sofrimento. Tradução de Antônio Estevão Allgayer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.

______. A vida em sua plenitude. In: Jesus Cristo: a vida do mundo. Cadernos do CADI, nº 12. Centro Ecumênico de Documentação e Informação. Rio de Janeiro, 1984.

______. Beyond Mere Obedience: Reflections on a Christian Ethic for the Future. Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1970.

Cf. PIMENTEL, Matheus. In: É ingênua a ideia de que arma vai gerar mais segurança. Nexo Jornal, 2019. Disponível  em: Nexo Jornal – acesso em 15 de janeiro de 2019, às 11h53.

Fórum de Segurança – acesso em 15 de janeiro de 2019, às 11h53.

 

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